O caso do roubo de ouro no Aeroporto de Guarulhos (São Paulo)
Por Roberto Zapotoczny Costa
Em 25/07/2019, um grupo fortemente armado invadiu um terminal de cargas no interior do Aeroporto Internacional de São Paulo e roubou 718 kg de ouro, o que equivale a US$ 29,2 milhões ou R$ 110,2 milhões. Parte desse ouro seguiria para Nova York e outra para o Canadá.
Para essa operação de roubo a quadrilha utilizou recursos na ordem de R$ 600 mil, o que incluiu a caracterização de uma Triton e uma Pajero Dakar como viaturas da Polícia Federal, mais uniformes e distintivos daquela instituição, além de outros 3 veículos comuns (caminhonetes e caminhão-baú). Junto a essa frota, um farto arsenal de armamentos de porte e portáteis (fuzis e pistolas). Também operaram com o sequestro da família do encarregado de despacho da GRU Airport para fins de extorsão.
Vamos às reflexões acerca desse roubo milionário:
O empreendedor dessa carga (não divulgado até o momento) iniciou as tratativas comerciais em algum momento. Conversou com pessoas (pessoalmente, por telefone ou mensagens), elaborou-se algum documento, envolveu mais pessoas, enfim, iniciou- se a complexa operação de transferência desses valores. Reflexão técnica: a partir do momento em que se inicia uma transação como essa deve- se proceder a proteção dessa informação. Para isto há diversos recursos, desde o mais simples, que é a utilização da compartimentação de informações, até recursos eletrônicos de criptografia e dispositivos que impedem a gravação ou audição indevida. Obviamente deve-se se ocupar com as atividades de informação e contra-informação (Inteligência). O risco é bastante alto, o que justifica o investimento na proteção dessa informação.
Formalizada e superada a primeira etapa, que é a negociação, procede-se a execução comercial. Serão elaborados mais documentos e tratativas diversas. A partir desse momento, mais pessoas terão conhecimento acerca dessa operação. Reflexão técnica: Criminosos não possuem uma bola de cristal para saber dessa “oportunidade de ouro”. Mais uma vez deve-se concentrar esforços para compartimentar as informações e “jogar” com a contra-informação (de uma maneira simplista pode-se entender como uma informação mentirosa que protege uma informação verdadeira). Essa distração auxilia na proteção dessas informações, o que agrega mais complexidade para grupos criminosos.
Inicia-se a terceira etapa da operação, que é a organização da movimentação dos valores. A carga está armazenada em determinado local e será movimentada. Dado o valor da carga, o risco é extremamente complexo e demanda uma solução igualmente complexa. Carga em ouro possui liquidez imediata, o que atrai a atenção de criminosos. Os investimentos para a quadrilha são muito baixos para o resultado que auferirão. Reflexão técnica: quem define a estrutura de proteção de qualquer ativo são os riscos que ele oferece. Para uma movimentação de valores como essa, deve-se estudar profundamente cada risco, desde a saída desse material, até a entrega em seu cliente. Optou-se por fracionar a carga em carros-fortes, o que é uma medida interessante. O próprio recebedor final deve ser inserido nesse processo de análise de riscos, a fim de instalar proteção adequada durante todo o processo de movimentação. Dada a complexidade desse risco há que se efetuar o monitoramento local e o remoto, por vias diversas, o que proporcionaria o acompanhamento da operação em tempo real. Todos os recursos de proteção devem ser muito bem analisados e organizados (pessoas, processos e recursos técnicos).
A ingenuidade deve ceder espaço para a maturidade. Uma operação de movimentação milionária como essa demanda bastante responsabilidade, vivemos em uma sociedade em que os interesses são diversos. Acreditar na bondade das pessoas e que processos de controle simplistas vão dar conta de proteger esses ativos é um “Erro Crasso”, me referindo historicamente ao General Marco Linicius Crasso, que partiu com seu exército para conquistar os Partos (povo persa que ocupava uma parte do Oriente Médio, em 59 a.C). À frente de sete legiões, ou 50 mil soldados, confiou demais na superioridade numérica de suas tropas. Abandonou as táticas militares romanas e tentou atacar simplesmente, na ânsia de chegar logo ao inimigo, cortou caminho por um vale estreito, de pouca visibilidade. As saídas do vale, então, foram ocupadas pelos Partos e o exército romano foi dizimado - quase todos os 50 mil morreram, incluindo Crasso. Reflexão técnica: insisto na utilização da Inteligência como tática de Proteção e Defesa. Para riscos adicionais, proteções adicionais. Confiar nos recursos existentes, abandonando o exame tático dessa operação beira à estupidez, um erro crasso, ou quem sabe, em alguma instância, um interesse escuso, uma agenda oculta a qual não sabemos. Temos inteligência e recursos de sobra para enfrentar um risco como esse. Resta uma pergunta: foi a ausência de Inteligência ou Inteligência demais? Quero aqui deixar apenas a minha reflexão, e não julgamento.
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